No Ancuri, bairro que fica nas proximidades do Açude Gavião, a paisagem já é seca ( Foto: Kid Júnior )
No sertão nordestino, a esperança de todos os anos é de que o mandacaru floresça, sinalizando bom inverno. No entanto, em cinco anos de uma severa estiagem, a ciência indica que a seca avança pelo território cearense e chega com força a Fortaleza e sua Região Metropolitana (RMF). E, pior, vai continuar progredindo, fazendo muita gente da cidade "grande" pedir aos céus que 2017 chegue e traga as chuvas tão aguardadas. Por enquanto, esse cenário nada animador é ratificado mensalmente pela Ciência, por meio de um dos equipamentos mais modernos da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), o chamado Monitor das Secas do Nordeste. O último mapa publicado em junho evidencia que a intensidade do fenômeno se expandiu praticamente para todas as regiões do Estado, devido às poucas chuvas registradas neste ano. De acordo com a análise dos meteorologistas, na RMF, onde era observada uma área sem seca até maio, os indicadores já apontam uma seca fraca.
>Ações antrópicas reforçam perdas
Nas demais partes do Estado, verifica-se a dilatação para o Norte com zonas de seca moderada e grave. O grau extremo também se expandiu para Região do Cariri. Além disso, na Região Jaguaribana, houve o surgimento de uma área com categoria de severidade extrema, com possibilidade de grandes perdas de culturas, pastagem, escassez ou restrições de água generalizada.
"Nunca antes enfrentamos um período de tão poucas precipitações no Estado e uma sequência tão extensa de anos secos. Só para se ter ideia, a média de chuvas entre 2012 e 2016 foi de 515 mm", avalia o meteorologista David Ferran. Segundo informações da Funceme, outro grande intervalo já registrado pelo órgão desde que este começou a analisar os dados, foi entre 1951 a 1955, quando a média de chuvas ficou em 607mm. Outra faixa de tempo bem crítica ocorreu entre 1979 e 1983, com média de 566mm. "Mesmo assim, o ano de 1980 foi considerado normal, o que aliviou essa intermitência", observa.
Quem mora na comunidade do Ancuri, em Fortaleza, vizinha ao açude Gavião, faz tempo que se defrontou com a oferta irregular de água. Ali, faz tempo que a população não tem abastecimento favorável. O jeito é economizar e encher baldes ou qualquer outro depósito para dias ruins. A paisagem já demonstra os efeitos graves da estiagem. Municípios como Horizonte, Chorozinho e Maranguape estão em plano de contingência, elaborado pela Cagece e aprovado pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (Arce). Enquanto a Capital e outros da RMF também terão que economizar de forma espontânea para fugir do racionamento.
Abrangência
Segundo Ferran, é possível visualizar a progressão da situação da seca em cinco categorias: excepcional, extrema, grave, moderada e fraca. O mapa também identifica e delimita as áreas de impactos de curto e longo prazo. "A ferramenta também visa ajudar quem convive com a escassez de oferta hídrica, melhorando a compreensão do fenômeno e da sua evolução, assim como orientado ações para mitigar os efeitos adversos", afirma.
O meteorologista esclarece que essa ampliação das áreas não tem relação com desertificação. "Claro que existe preocupação, mas esse processo é provocado por uma série de fatos como a ocupação humana e a exploração dos recursos naturais que impactam nas regiões secas, provocando a degradação da terra, a perda da cobertura vegetal nativa e a redução da oferta de água. A intensificação de tais ações leva ao fenômeno".
Na avaliação do titular da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), Francisco Teixeira, mudanças de hábitos, como o uso racional dos recursos hídricos e atividades sustentáveis vem transformando panoramas antes bem complicados. "Um exemplo é a pecuária. Antes, havia desmatamento e comportamentos nada recomendáveis. Agora, com a consciência de que é preciso mudar e conservar o meio ambiente aliado ao emprego da tecnologia, esse cenário se transformou e por aí, temos que caminhar para recuperar áreas degradadas", frisa.
Perfurações de poços, transferências de água entre açudes, aproveitamento do volume morto do Pacajus, adutoras de montagem rápidas estão entre as medidas do governo na tentativa de mitigar os impactos da estiagem. No entanto, afirma, nada terá efeito positivo se a população não ajudar concretamente. "Fortaleza tem que se conscientizar do esforço de agricultores, piscicultores, pecuárias, habitantes ribeirinhos de rio e açudes do interior. Eles estão dando o máximo, pois a água é um bem cujo valor é imensurável".
FIQUE POR DENTRO
Fé versus Ciência
O nordestino almeja estação chuvosa abundante para o próximo ano, fazendo "figa" e redobrando promessas para que os ventos alísios soprem ao nosso favor, empurrando o tão temido El Niño para longe. Esse fenômeno climático caracteriza-se pelo aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico, predominantemente na sua faixa equatorial. Ocorre em intervalos médios de quatro anos. O aquecimento é geralmente observado no mês de dezembro, próximo ao Natal, por isso recebeu esse nome, em referência ao Menino Jesus, que foi dado por pescadores peruanos. As chuvas, infelizmente, dependem mais de fatores físicos do que da fé do sertanejo. Apesar de sua importância, o El Niño não é o único fator determinante das chuvas no Nordeste. Elas são consequência de outro aspecto meteorológico conhecido desde o século XVIII e chamado pelos climatologistas de Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Que nada mais é do que um anel de ar úmido que envolve a Terra próximo à linha do equador. Dependendo da localização, essa ZCIT pode amenizar ou agravar as secas provocadas pelo El Niño.
fonte Diário do Nordeste.