Antes de as primeiras gotas de uma das chuvas mais fortes de 2018 rolarem pela Coluna da Hora, grupos de religiões distintas chegam ao local a fim de oferecer vestimentas e alimentação para os ocupantes do local. Em fila indiana, os donos da Praça aguardam uma quentinha com baião e um copo d'água - refeição recebida de bom grado para matar a fome de quem vai enfrentar uma noite de fortes trovoadas e relâmpagos.
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"É muita água, não tem pra onde ir e não tem muito o que fazer, não", externa Cláudia sentada no seu colchão em frente a uma loja de alimentos. O espaço que conseguiu para ela e a família soa como troféu, a premiar os que mais cedo madrugam (ou entardecem). "Aqui é o seguinte: é de quem chegar primeiro. É desse jeito. Eu chego aqui antes das 7 da noite. Já pra garantir um lugar melhor".
Há um ano na Praça, Cláudia e mais dois homens compõem seu núcleo familiar. Os três, contudo, precisam dividir um colchão de solteiro e pedaços de papelão dispostos no chão para não acordarem com as costas doídas. A dificuldade aumenta com o período das chuvas, pois o que servia de cama, tem de formar um anteparo capaz de impedir que a chuva banhe todos e o pouco que possuem. "A gente bota os papelão assim pra não poder molhar a gente porque desce da goteira e molha tudo", explica, apontando para a forma vertical precisa do material.
Nesses momentos, quem tem algo para impedir a queda d'água torna-se rei; quem não tem, busca outras ruas com maiores marquises ou espaços nos quais o sono pode ser mais profundo. O Calçadão C. Rolim, as ruas Guilherme Rocha e Liberato Barroso viram novas moradas. "Na chuva aqui ninguém dorme porque a gente não tem local para dormir tranquilo. Ontem, vários irmãos não dormiram", relata Alexandre Rodrigues, um dos representantes da comunidade do Ferreira.
De acordo com Alexandre, o período chuvoso complica ainda mais a vida das pessoas que sentem o Centro da cidade como sua casa. "A situação é difícil, pois tem doença, coceira, várias coisas que estão se passando aqui. O problema é que entra e sai ano e o poder público engomando a gente", critica. A Secretaria dos Direitos Humanos e Defesa Social (SDHDS) da Prefeitura de Fortaleza informou que não há distinção de tratamento ou serviço ofertado de acordo com o período chuvoso.
População
Conforme estudo elaborado pela SDHDS, em 2017, 247 pessoas utilizavam a Praça do Ferreira como casa. Com relação à identidade de gênero, a pesquisa detalhou que 76% dos entrevistados eram homens e 23% mulheres. Equivocadamente, a pesquisa classifica o 1% restante como transexuais - uma vez que a categorização é vinculada à orientação sexual.
Da população de rua que vive na Praça do Ferreira, 51% se autodeclara negra, 46% tem ensino fundamental incompleto, 23% tem origem na Regional VI e 28% mora na Praça há mais de cinco anos. Alexandre Rodrigues, porém, refuta a quantidade de pessoas no local; segundo ele, 600 pessoas já estão no espaço em 2018.
"A gente quer um abrigo para 300 moradores e o resto uma casa digna, como o Minha Casa Minha Vida", externa o representante, ao pontuar que nem banheiro químico a população do local possui. Em nota, a SDHDS disse que a Prefeitura oferta espaços para essas pessoas, contudo, ainda há um déficit, pois, em toda a cidade a situação de rua se repete para 1.718, segundo dados da própria secretaria do ano de 2015 - um novo senso está sendo elaborado para este ano.
Além dos equipamentos, de acordo com a Secretaria, a Pasta "promove e difunde a igualdade de direitos para todos e fortalece, principalmente, os vínculos familiares para evitar o aumento da população de rua". Segundo o órgão, em 2017, Fortaleza possuía 80,25% dessa população cadastradas no Bolsa Família.
No entanto, para Alexandre Rodrigues, a situação é insustentável. "No Centro Pop são 20 pessoas que comem e ninguém come mais, aí vão todos pras pousadas. Então é o seguinte: se o estado não tomar providências nesse ano, não vai resolver mais. Vai dar aqui mais de dois mil moradores", supõe.
Saiba mais
Espaços de acolhimento
A Prefeitura de Fortaleza promove espaços pela cidade voltados à população em situação de rua:
Jacarecanga
Dois abrigos 24 horas, com 50 vagas para homens em cada um;
Parangaba
Um abrigo 24 horas, com 50 vagas para mulheres e famílias;
Centro
Uma casa de passagem de tempo curto; uma pousada social; um Centro Pop; e um Centro de Convivência para Pessoa em Situação de Rua.
Benfica
fonte DN