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Reportagem exclusiva revela detalhes da investigação da Chacina de Messejana que levou à prisão de 44 PMs

Nove meses de investigação, cerca de 240 depoimentos tomados, dezenas de armas periciadas, assim como áudios, vídeos e escutas telefônicas, resultando em um inquérito com 3.300 páginas divididas em 12 volumes. Ao final, o indiciamento de 45 policiais militares, sendo 30 soldados, seis cabos, sete sargentos, um tenente e um tenente-coronel.

Este foi o resultado da apuração da maior chacina já ocorrida na história de Fortaleza, quando 11 pessoas foram executadas sumariamente,  a tiros de pistola, na porta de casa ou dentro das próprias residências,  entre a noite do dia 11 e a madrugada do dia 12 de novembro de 2015 nas comunidades do Curió, Lagoa Redonda e Conjunto São Miguel. A matança ficou conhecida como a “Chacina da Messejana” e foi investigada e o caso ainda tramita, inexplicavelmente, sob segredo de Justiça.

Exclusividade

Nesta reportagem EXCLUSIVA, serão revelados nomes, detalhes e outras informações sobre a apuração que teve início na Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), mas acabou transferida para a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos da Segurança Pública e do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará (CGD), por determinação expressa do governador do Estado, Camilo Santana (PT).

Dos 45 policiais militares indiciados em inquérito pela CGD,  e denunciados pelo Ministério Público Estadual (MPE), através de uma peça assinada por 12 promotores de Justiça no dia 14 de junho último, somente um deles teve a denúncia rejeitada pela Justiça. Trata-se do militar com maior patente entre os 45 investigados;  o tenente-coronel PM Plauto Roberto de Lima Ferreira, 45 anos, atualmente lotado no Gabinete do Comando-Geral Adjunto da Corporação. Na noite/madrugada da carnificina, o tenente-coronel Plauto – especialista e palestrante em Segurança Pública - era o coordenador do Comando de Policiamento da Capital (CPC).

Mesmo com as provas colhidas no âmbito da investigação da Controladoria e, depois, com a análise do Ministério Público, o tenente-coronel teve a  denúncia dos 12 promotores não recebida pelos três juízes de Direito que analisaram os autos.

Prisão

O último desdobramento do fato ocorreu na terça-feira passada (30),  quando o atual chefe da corporação, coronel-comandante-geral Geovani Pinheiro da Silva, recebeu em seu gabinete no QCG a “visita” de um oficial de Justiça que trazia nas mãos o ofício de número 1.243/2016, oriundo da 1ª Vara do Júri de Fortaleza e assinado pelos juízes de Direito,  Eli Gonçalves Júnior, Adriana da Cruz Dantas e Luiz Bessa Neto.

Era a ordem de prisão para os 44 PMs que agora amargam a difícil  condição de réus no processo número 0033835-75.2016.8.06.001, o “Processo da Chacina de Messejana”.

A denúncia foi assinada pelos seguintes promotores de Justiça: Marcus Renan Palácio de M.C. dos Santos, Joseana França Pinto, Marcos Willam Leite de Oliveira, Eloílson Augusto da Silva Landim, Felipe Diogo de Siqueira Frota, Manoel Epaminondas Vasconcelos Costa, Francisco Rinaldo de Sousa Janja, Alice Iracema Melo Aragão, Humberto Ibiapina Lima Maia, André Clark Nunes Cavalcante, Márcia Lopes Pereira e Franke José Soares Rosa.

A peça da denúncia revela detalhes da como tudo aconteceu naquela madrugada e os motivos que teriam, supostamente, levado os 44 policiais militares a cometer a chacina. Veja alguns trechos do documento:

“Os crimes, pois, objetos da mencionada  denúncia, sob os pálios da vingança, da torpeza e sem proporcionar sequer a menor chance de defesa a qualquer uma das múltiplas vítimas, foram praticados a partir de uma ação implacável  e articulada por policiais militares  que visaram promover uma demonstração de força e poder de retaliação, especialmente, à morte, em decorrência de disparos de arma de fogo, de um colega de profissão deles, de nome Valtemberg Chaves Serpa...”

Zap  Zap

“Referido crime foi rapidamente difundido entre inúmeros policiais. E parte deles, a partir de então, se articularam, sobretudo, em conversas por telefone, redes sociais,  e grupos de conversação disponíveis na rede mundial de computadores (WhatsApp, Zello e outros), cuja facilidade de comunicação permitiu que, em pouco tempo,  contasse com a adesão  de dezenas e, possivelmente, de mais de uma centena de outros policiais muitos dos quais estavam de folga  no dia dos fatos, mas todos dispostos  a um audacioso plano de retaliação ao qual aderiram e o fizeram  acontecer”.

“Na medida em que passava o tempo, e como já tarde da noite havia cada vez menos pessoas nas ruas, os executores foram escolhendo aleatoriamente as vítimas, o que se traduziu  em um típico “justiçamento”, com a morte e ofensa à integridade física  e mental de várias pessoas que sequer tinham envolvimento com e/ou na morte do policial militar Serpa”.

“Assinale-se  que a confiança na impunidade era muito grande, de um lado porque os PMs tomaram cautelas para não serem reconhecidos e fizeram desaparecer vários vestígios dos crimes por eles perpetrados. E de outro, porque sabiam que as vítimas não tinham a quem recorrer, pois se tratava de uma ação coordenada pelos próprios policiais”.

“Daí que, enquanto várias vítimas eram covardemente assassinadas, e a população, desesperada, ligava insistentemente para a Ciops  (Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança), vários dos policiais que estavam em viaturas próximas e tinham pleno conhecimento do que estava acontecendo, ao invés de saírem em socorro delas – como seria de se esperar e de seu dever – aderiram e colaboraram na prática dos referidos crimes, em alguns casos prestando auxílio e, em outros, se omitindo dolosamente”.

“Apenas para se ter uma dimensão do que ocorreu, informações de ordem técnica, tais como dados oficiais de monitoramento  eletrônicos das viaturas, demonstraram que vários policiais  militares que estavam próximos  dos locais onde se deram  as execuções , embora  plenamente conscientes de tudo o que se passava e com condições de atenderem rapidamente as ocorrências, ocuparam as viaturas  que estavam  dando apoio aos executores, ou se omitiram, algumas delas se dirigindo aos locais  dos fatos horas depois, quando tudo já havia se passado”.

“Imagens, depoimentos de testemunhas e registros de ordem técnica também demonstraram que algumas viaturas ficaram se movimentando pelas redondezas dos locais onde estavam  ocorrendo as execuções, mas não pararam nem mesmo diante do apelo da população por socorro. Outras se aproximaram dos locais, passara,. Inclusive,  ao lado dos corpos das vítimas, e nada fizeram”.

“Ambulâncias do Samu acionadas, as quais vinham, de locais  mais distantes, e, mesmo assim, chegaram primeiro do que as viaturas que estavam bem próximas dos locais, tiveram dificuldades em fazer  o atendimento de algumas vítimas porque, sem saber precisamente  o que se passava, e sem o apoio da Polícia Militar, os socorristas não sentiam segurança parar pararem e fazerem os preliminares atendimentos”.

“Enquanto isso, a população, familiares, amigos e conhecidos  das vítimas providenciavam, da forma como podiam, o atendimento às vítimas, conduzindo-as aos hospitais, inclusive em carrocerias abertas de veículos particulares de carga.  E mesmo cientes disso, os policiais militares causaram obstáculos a esses socorros providenciados pela população, chegando a abordar e para um veículo, por exemplo, que socorria algumas vítimas para determinado hospital e, na sequência, atentaram contra a vida  de uma das pessoas que estavam prestando socorro  às referidas vítimas, a qual foi atingida por oito disparos”,

“Ligações recebidas pela população, que clamava desesperadamente por ajuda, dão a dimensão do terror levado pelos policiais militares a toda uma comunidade, qno que, talvez, tenha sido a maior e mais sangrenta chacina da história do Ceará”.

Por fim, os promotores juntaram aos autos uma série de provas técnicas que mostraram, segundo eles,  o envolvimento dos militares na chacina, os quais,“vestiram-se de verdadeiros deuses, senhores da vida, senhores da morte”.

Fim do sigilo

Na conclusão dos autos, é lembrado que outros envolvidos, que ainda estão sendo identificados e investigados, poderão também ter a prisão decretada.

No despacho em que decretam a preventiva do44 s PMs, os juízes ressaltam que “fica mantido o sigilo sobre estes autos até a efetivação das medidas” (realização das prisões).

Veja a seguir, a lista dos policiais que tiveram a prisão preventiva decretada:

SOLDADOS

1 – Anderson Kesley Ribeiro da Silva (CE)

2 – Antônio José de Abreu (MA)

3 – Antônio Jucieudo Holanda Lopes (CE)

4 – Daniel Campos Menezes (CE)

5 – Eliézio Ferreira Maia Júnior (CE)

6 – Fábio Paulo Sales Gabriel (CE)

7 – Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa (CE)

8 – Francisco Fagner de Farias Mesquita (CE)

9 – Francisco Flávio de Sousa (CE)

10 – Francisco Girleudo Silveira Ferreira (CE)

11 – Gaudioso Menezes de Mattos Brito (CE)

12 – Gerson Vitoriano Carvalho (SP)

13 – Hugo dos Santos Guedes (GO)

14 – Ideraldo Amâncio (RN)

15 – Igor Bethoven Sousa de Oliveira (CE)

16 – Ismael Alves Torres (CE)

17 – Jean Rodrigues de Melo (CE)

18 – José Wagner Silva de Souza (CE)

19 – Josiel Silveira Gomes (CE)

20 – Kelvin Kessel Bandeira de Paula (CE)

21 – Luciano Breno Freitas Martiniano (CE)

22 – Luís Fernando de Freitas Barroso (CE)

23 – Marcílio Costa de Andrade (CE)

24 – Marcus Vinícius Sousa da Costa (RJ)

25 – Renne Diego Marques (CE)

26 – Ronaldo da Silva Lima (CE)

27 – Samuel Araújo de Aquino (CE)

28 – Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes (CE)

29 – Valdemir Izaquiel Silva (CE)

30 – Wellington Veras Chagas (CE)

CABOS

31 – Antônio Flauber de Melo Brazil  (CE)

32 – Daniel Fernandes da Silva  (CE)

33 – Fábio Oliveira dos Santos (CE)

34 – Francisco Hélder de Sousa Silho (CE)

35 – Gildácio Alves da Silva (CE)

36 – Thiago Aurélio de Souza Augusto (CE)

SARGENTOS

37 – Antônio Carlos Matos Marçal (CE)

38 – Carlos Roberto Mesquita de Oliveira (CE)

39 – Clênio Silva da Costa (CE)

40 – Farlley Digo de Oliveira (CE)

41 – Francinildo José da Silva Nascimento

42 – José Haroldo Uchoa Gomes (CE)

43 – Maria Bárbara Moreira (CE)

OFICIAL

44 – José Oliveira do Nascimento (tenente)

POR FERNANDO RIBEIRO  


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